Acidente a ir ou a regressar do trabalho: conheça os seus direitos e surpreenda-se com 7 decisões judiciais
Excepcionalmente, a figura do acidente de trabalho é ampliada de modo a abranger situações que não preenchem cumulativamente as quatro características essenciais que constituem um acidente de trabalho.
Uma dessas excepções é o acidente ocorrido no itinerário de ida ou de regresso do local de trabalho.
É importante compreender o que isto significa, até porque há muitas situações em que os cidadãos sofrem lesões que podem qualificar-se como acidentes de trabalho e, por não o saberem, perdem o seu direito às devidas indemnizações.
1. O que significa um acidente acontecer no trajeto de ida ou de regresso do local de trabalho
A Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, a qual regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, no seu art. 9.º/1/a), amplia o que se considera ser um acidente de trabalho aos acidentes ocorridos no trajeto de ida ou de regresso do local de trabalho.
Isto significa que também são acidentes de trabalho os que aconteçam nos trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador (art. 9.º/2):
entre qualquer dos seus locais de trabalho, no caso de ter mais de um emprego (alínea a);
entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho (alínea b);
entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e o local do pagamento da retribuição (alínea c);
entre qualquer dos locais referidos na alínea b) e o local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente (alínea d);
entre o local de trabalho e o local da refeição (alínea e);
e entre o local onde por determinação do empregador o trabalhador presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual ou a sua residência habitual ou ocasional (alínea f).
E se tiver havido interrupções ou desvios no trajeto normal e o acidente tiver ocorrido aí?
Nesse caso, se os desvios ou interrupções tiverem acontecido por causa de necessidades atendíveis do trabalhador, por motivos de força maior ou por caso fortuito, então também estamos perante um acidente de trabalho (art. 9.º/3 da sobredita Lei).
2. 7 decisões judiciais surpreendentes sobre acidentes ocorridos no trajeto de ida ou de regresso do local de trabalho
1ª decisão judicial: o operador de assistência que fez um desvio para comprar uma camisola de futebol para o afillhado
Um operador de assistência em escala, na viagem de regresso a casa após o trabalho, fez um desvio para comprar uma camisola de futebol para oferecer ao afilhado.
Ao parar na loja e sair do carro, tropeçou e caiu sobre o pé esquerdo.
Nessa queda fraturou o pé, o que implicou uma intervenção cirúrgica para corrigir o desvio no tornozelo.
Por causa disso teve despesas com a operação médica, incapacidades temporárias e ficou com uma incapacidade permanente parcial de 2%.
Esta situação foi considerada como um acidente de trabalho, pelo que o operador de assistência em escala foi ressarcido e recebeu da seguradora as devidas indemnizações.
Observação: Esta é uma decisão em que sobressai o entendimento de que um desvio no trajeto da viagem de regresso a casa após o trabalho, para comprar uma camisola de futebol para um afilhado, é uma necessidade atendível do trabalhador.
2ª decisão judicial: o servente de obras e o seu colega que, após o jantar, lhe saltou para as costas (numa brincadeira)
Depois de terminada a jorna de trabalho, um servente de obras e os demais colegas jantaram na cantina da estalagem.
Após o referido servente mudar de roupa e enquanto se preparava para ser transportado para a sua habitação, um colega seu, numa brincadeira e sem qualquer justificação, saltou-lhe para cima das costas.
Com isso, braçou-lhe as pernas e provocou a sua queda ao chão.
Nessa queda, o servente de obras sofreu uma fratura da extremidade proximal da tíbia e perónio da perna direita.
Por causa disso teve despesas médicas, uma incapacidade temporária absoluta e uma incapacidade permanente parcial de 5,95%.
Esta situação foi considerada como um acidente de trabalho.
Observação: Esta é uma decisão em que sobressai o entendimento de que o tempo que o trabalhador espera pelo transporte para o regresso a casa se enquadra no âmbito de proteção dado ao acidente no itinerário.
3ª decisão judicial: a cozinheira que, ao ir para o trabalho, sofreu uma tentativa de assalto
Na ida para o trabalho, uma cozinheira, quando ia para entrar no centro comercial vinda de uma paragem de autocarros, foi agarrada pelas costas por um indivíduo que queria roubar-lhe a carteira.
A cozinheira gritou, chamando a atenção do vigilante do Shopping, o que levou o indivíduo a largá-la e a dar-lhe um empurrão, atirando-a ao chão onde a mesma caiu desamparada e se magoou.
Por causa disso, a cozinheira sofreu um traumatismo da região lombar.
Sofreu ainda incapacidades temporárias e uma incapacidade permanente parcial de 15%.
Esta situação foi considerada como um acidente de trabalho.
Observação: Esta é uma decisão em que sobressai o entendimento de que para haver um acidente de itinerário não é sequer necessário que este resulte de um perigo específico do percurso normal ou de outras circunstâncias que agravem o risco desse percurso.
4ª decisão judicial: a agente de seguros e o marido que a atropelou à hora de almoço
Uma agente de seguros por conta própria foi almoçar à residência dos seus pais.
Ao terminar o almoço pôs-se a caminho da agência de seguros que geria.
Mas para chegar à rua, precisava de atravessar uma rampa que ligava a casa dos seus pais a um prédio vizinho que também era propriedade deles (já que não havia acesso direto à rua a partir da casa onde foi almoçar).
Aí, no logradouro da casa dos seus pais onde foi almoçar, foi atropelada por um veículo conduzido pelo seu marido.
A agente de seguros teve despesas médicas e com próteses auditivas, uma incapacidade temporária absoluta e uma incapacidade permanente parcial de 15%.
Esta situação foi considerada como um acidente de trabalho, pelo que a agente de seguros foi ressarcida e recebeu da seguradora as devidas indemnizações.
Observação: Esta é uma decisão em que sobressai o entendimento de que o conceito de acidente em itinerário inclui acidentes que acontecem já fora da casa do trabalhador (de amigos ou de familiares), mas ainda antes de chegar à rua, seja em área própria ou compartilhada com outros moradores. Para tal basta que o trabalhador já tenha saído da porta de casa e esteja a caminho do trabalho, seguindo o trajeto e o tempo normalmente utilizados.
5ª decisão judicial: o técnico farmacêutico que sofreu uma queda num desvio que fez para ir tomar o pequeno-almoço
Na ida para o trabalho, um técnico farmacêutico parou num estabelecimento comercial situado a 1km da farmácia onde trabalhava para aí tomar o pequeno-almoço.
Quando abandonava o local, o trabalhador, na sequência de uma entorse do seu joelho direito, desequilibrou-se e sofreu uma queda.
Por causa disso, sofreu uma incapacidade temporária absoluta e uma incapacidade permanente parcial de 7%.
Esta situação foi considerada como um acidente de trabalho, pelo que o técnico farmacêutico foi ressarcido e recebeu da seguradora as devidas indemnizações.
Observação: Esta é uma decisão em que sobressai o entendimento de que um desvio no trajeto de casa para o trabalho para ir tomar o pequeno-almoço é uma necessidade atendível do trabalhador.
6ª decisão judicial: o padeiro que, ao ir para o trabalho, foi agredido por um ex-trabalhador
Na ida para o trabalho às 2 da manhã, um padeiro foi surpreendido por um ex-trabalhador da padaria na qual trabalhava.
Esse homem deu-lhe um soco no nariz e um número indeterminado de pontapés no corpo.
O padeiro fugiu, mas foi perseguido e levou um número indeterminado de pontapés, murros e arranhões.
Foi dado como provado que a agressão consistiu num "tirar de satisfações" por parte do agressor (ex-trabalhador) em relação ao agredido (o padeiro), em virtude de este lhe ter chamado "filho da puta".
O padeiro sofreu várias lesões, uma incapacidade temporária absoluta e uma incapacidade permanente parcial de 5%.
Esta situação foi considerada como um acidente de trabalho, pelo que o padeiro foi ressarcido e recebeu as devidas indemnizações.
Observação: Esta é uma decisão em que sobressai o entendimento de que mesmo que a causa do acidente tenha sido uma agressão intencional de um terceiro, tal não retira ao evento lesivo a qualificação de acidente no itinerário e, portanto, o respetivo direito à reparação.
7ª decisão judicial: o lavador de automóveis que, na viagem de regresso a casa após o trabalho, foi agredido por desconhecidos
Na viagem de regresso a casa após o trabalho, um lavador de automóveis foi seguido por 2 indivíduos não identificados e, nessa sequência, foi agredido na face (com uma "soqueira") por um deles.
Por causa disso, o lavador sofreu dor na mandíbula, diminuição da fenda bucal e fraturou 3 dentes.
Sofreu ainda incapacidades temporárias e uma incapacidade permanente parcial de 15,4%.
Esta situação foi considerada como um acidente de trabalho, pelo que o lavador foi ressarcido e recebeu as devidas indemnizações.
Observação: Esta é uma decisão em que sobressai o entendimento de que mesmo que a causa do acidente tenha sido uma agressão intencional de terceiros, ainda que não identificados, isso não retira ao evento lesivo a qualificação de acidente no itinerário e, portanto, o respetivo direito à reparação.
Conclusão
Este artigo explorou sete decisões judiciais impactantes que demonstram a aplicação da Lei aos acidentes que ocorrem no trajeto de ida ou de regresso do local de trabalho.
Lembre-se de que conhecer os seus direitos é o primeiro passo para garantir a sua proteção e, desse modo, o assegurar o seu direito à reparação.
Cada caso tem as suas especificidades e, em situações desta importância, não hesite em procurar a orientação profissional e legal adequada, isto é, um/a advogado/a.
Proteja os seus direitos, defenda os seus interesses.